Acontece Entrevista

“Em Patrocínio nasceu a minha persona artística. Ali eu comecei a escrever tudo. O meu ponto de vista do mundo era dali”

Prestes a lançar o álbum Primata da Nova Era, Nissão MC fala sobre sua trajetória, músicas e perspectivas para o futuro

18/01/2025 14h11 Atualizada há 3 semanas
Por: Pablo dos Santos Pinto
“Em Patrocínio nasceu a minha persona artística. Ali eu comecei a escrever tudo. O meu ponto de vista do mundo era dali”

Ele nasceu em Franca, mas veio para Patrocínio Paulista aos três anos. Estudou na Gercyra de Andrade, passou pela Luis Andrade Freitas e depois foi para o Jorge Faleiros. Morou no Nova Sapucaí, um tempo em uma fazenda e, depois, na Vila Hípica. A trajetória é comum à grande parte de patrocinenses de sua geração, assim como os conflitos da juventude pelos quais passou. Mas a inquietação e a paixão por música e poesia fizeram ele perceber que o meio interfere e ajuda a formar a personalidade, mas não é predominante e que precisava de mais. Desde pequeno, ouviu em casa os mais variados tipos de música, desde clássicos da MPB, como Vinícius de Morais, a quem lhe deve o nome, à Calipso, uma das bandas preferidas da mãe. Como bom patrocinense, o sertanejo também estava presente. Mas foi um movimento apresentado pelo irmão, o hip-hop, que lhe despertou o desejo de seguir a carreira musical. Foi assim que Vinícius Silva Ferreira se tornou Nissão MC.

O menino que tentava encontrar seu lugar no mundo hoje se transformou em um homem confiante, com objetivos claros e muita vontade de mudar a realidade de crianças como a que ele foi. “O meio que a gente vive, por ser uma cidade pequena, com poucas oportunidades e uma perspectiva de futuro pequena, acaba minando os sonhos das crianças e dos jovens por parecer grande demais.” A dica que ele dá para eles é direta: “Acredite no seu sonho, independente da opinião de qualquer pessoa.” Com dois EPs, se prepara para o lançamento de um álbum, o Primata da Nova Era, que será lançado nos próximos dias e mostra uma visão crítica do futuro incomum para sua geração.

Se em um primeiro momento, o hip-hop pode parecer agressivo, com criticas sociais, ele mostra que romantismo e sensibilidade também têm vez, como prova seu clipe Monalisa, que você confere abaixo, assim como a entrevista, que era para ser uma reportagem, mas que, pelo conteúdo, vale ser conferida na íntegra. Seu trabalho pode ser acessado pelo canal do YouTube ou do Spotify.

O Fato - Nos conte um pouco essa história. Quando que você se despertou para música, como é que foi a sua trajetória e Patrocínio dentro desse contexto?

Nissão MC - Eu fui nascido em Franca e criado em Patrocínio desde os meus 3 anos de idade, então pra mim sou patrocinense. Toda a recordação que eu tenho da minha vida, minha infância que eu trouxe é de Patrocínio. A música, ela tá presente desde o meu nascimento. Na verdade, hoje eu olho pra trás, quando eu questionei meu pai o porquê do meu nome, Vinícius, ele diz que é por conta de Vinícius de Moraes, o poeta, cantor. Eu, desde moleque, sabendo disso, sempre gostei de poesia, sempre pesquisei, sempre ouvi Vinícius por conta disso e sempre tive uma veia poética. Eu sempre gostei de escrever, mas sem ambição nenhuma. Ficava perdido, guardado, às vezes esquecido. Muito tempo depois, a música veio à tona novamente no momento em que eu mais precisava encontrar a mim mesmo, depois de um processo de superação de uma depressão, foi até a música que fez parte disso. O fato de pegar os sentimentos e colocar no papel, numa veia poética, de uma forma que me agradasse ouvir e também me acalentava, de certa forma. Eu sentia que o sentimento saia realmente ali e caía pra dentro do papel. Eu tirava aquele peso de dentro de mim, aquela culpa, qual fosse o sentimento. Eu gostava de ouvir depois porque me trazia um alívio. Então a música surgiu disso.

 

"A música veio à tona novamente no momento em que eu mais precisava encontrar a mim mesmo, depois de um processo de superação de uma depressão, foi até a música que fez parte disso"

 

Foi pouco antes da pandemia, em 2020 - então tem quatro anos -, que eu venho escrevendo, colocando os meus sentimentos, minhas vivências. Tem um lado poético, romântico também, que eu gosto de externalizar às vezes, ou transformando isso em música aos poucos. Agora a gente conseguiu transformar isso em algo palpável para levar para as pessoas, seja a mensagem - uma crítica ou uma reflexão -, seja uma intenção de sentimento, um pouco mais pra ver a dor do poético romântico, mas sempre com a intenção de fazer pensar ou fazer sentir. Acho que a música compõe tudo. Tudo que é só sonoridade, tudo é o que vibração emite uma onda, emite um som, e eu acho que a música faz parte da vida de todo mundo.

 

O Fato - E por que o hip-hop?

Nissão - Adorei a pergunta. O porquê do hip-hop, cara, aí você vai me trazer a lembrança do meu irmão mais velho. Eu sempre gostei, na verdade, desde criança, mas eu sempre tive contato com todo tipo de música na minha casa. Meu pai gostava muito de ouvir blues, jazz, MPB, tipo Vinícius, Toquinho, Adoniran Barbosa, Nelson Gonçalves. Sabe, esses clássicos assim? E minha mãe gostava muito de ouvir música cearense, música baiana, muito axé. Minha mãe é muito fã de Calypso. Então, eu tive contato com todas as culturas e quem trouxe o hip-hop foi meu irmão mais velho. Me apresentou Marcelo D2, Gabriel, o Pensador e, na época, tinha um CD que era censurado, que não se podia vender nas barraquinhas, era escondido, que é um CD que é uma junção de dois grupos, Face da Morte e Realidade Cruel. Eles lançaram um CD que se chamava Face Cruel. Eu lembro direitinho. O CD foi censurado porque criticava muito a política FHC na época. Aí eu conheci o hip hop em cima disso, então eu tinha o DVD do Gabriel, o Pensador, ao vivo MTV, e o CD A Maldição do Samba, do Marcelo D2 e esse CD, Face Cruel, que meu irmão me apresentou. Posteriormente, eu gostei muito, aí e fui comprei o Racionais, “1000 trutas, 1000 tretas”, que era o DVD também. E aí foi o que iniciou no hip-hop. Decorei todas as músicas de todos os CDs e entendi que aquilo ali era o ritmo que eu ia seguir para minha vida e fui buscar mais coisa em relação ao hip-hop. Eu escuto de tudo, gosto de tudo. Trago referência de tudo um pouco. Uso muita referência do rock, do pop rock nacional também, mas o Hip-hop é o ritmo que me rege.

 

"Tive contato com todas as culturas e quem trouxe o hip-hop foi meu irmão mais velho"

 

O Fato - E como é fazer hip-hop em Patrocínio ou ter começado o hip-hop em patrocínio?

Nissão - É complicado falar que eu comecei em Patrocínio, né. Nasceu ali, mas a minha a minha caminhada pessoal, ela começou a acontecer aqui em Franca.  Ali em Patrocínio nasceu a minha persona artística. Ali eu comecei a escrever tudo. O meu ponto de vista do mundo era dali, de Patrocínio. Mas a gente não tem tantas oportunidades na cidade. Não existe evento cultural focado na cultura hip-hop. Até é algo que eu queria promover na cidade, queria poder participar e a gente poder fazer acontecer por lá.  Eu vim pra Franca quando eu decidi que eu ia realmente investir nessa questão da música, da carreira, e comecei a frequentar as batalhas de rima que tinham aqui em Franca. O pessoal começou a me ouvir, me ver, saber quem eu era. Posteriormente, comecei a lançar algumas músicas, o pessoal ficou sabendo e logo fui convidado pra fazer um primeiro show aqui em Franca. Foi subindo a popularidade. O pessoal começou a ouvir, começou a saber, a me reconhecer dentro do meio da cultura hip-hop. Eu consegui espaço aqui em Franca, portas que foram se abrindo até ser visto pelo pessoal de São Paulo, ser chamado pra assinar como uma produtora de lá. A gente produziu o clipe da Monalisa agora e muita coisa acontecendo. São pequenos passos que foram dados. O primeiro deles, o pezinho, está lá em Patrocínio, o nascimento de tudo, mas o mundo é muito grande. Tem muita caminhada pra gente andar ainda.

 

O Fato - E quantas músicas você já tem gravada? Como é que começou essa trajetória de gravações?

Nissão - Eu lancei o primeiro EP em 2022, com o auge da pandemia e a questão do governo Bolsonaro, com 5 faixas, que se chama Cortesia do Nada. E justamente isso, foi em um momento ali que nasceu tudo. Eu queria deixar um pequeno fragmento do que estava por vir, do que estava pra acontecer. Uma pequena cortesia do nada, porque realmente ainda não havia nada além daquilo ali. Então, existem essas 5 faixas que trazem uma reflexão do cenário na época, principalmente político, e a forma como a gente estava lidando com a situação em relação à pandemia, de situação política, a situação humana que a gente vivia. A mensagem que eu queria passar é para realmente a gente resgatar nossas raízes, entender qual seria o a melhor forma de seguir em frente.

 

"Acho que não existiria poesia se não fosse romantismo ou um coração partido"

 

Posteriormente a isso, agora em 2024, em dezembro de 2024, eu lancei o EP Pseudo pra Frente, também tem cinco faixas. São cinco faixas de que a gente chama de Love Song, que são músicas românticas ou músicas que tratam de sentimento. Não são músicas de mensagem em si, de alguma reflexão ou crítica social. É mais para o pessoal se identificar mesmo na questão do sentimento, do romantismo, ou até mesmo de um coração partido, que faz parte também da poesia. Acho que não existiria poesia se não fosse romantismo ou um coração partido.

 E agora, para o finalzinho de janeiro, provavelmente para o início de fevereiro, vai sair o álbum de ideologia mesmo, já com críticas mais atuais e com uma visão bem diferente, de uma perspectiva de futuro em relação principalmente a tecnologia e a forma como o meio social tá lidando com isso. O álbum se chama Primata da Nova Era, que retrata o que seria um primeiro ser de uma nova raça, de uma nova era, que é a era digital que a gente está vivendo, a era da tecnologia, que eu acho que é só um começo. O ser humano ainda vai se assustar muito com o tamanho do passo que a gente vai dar. Então, acho que a gente tem que olhar pro futuro e ter uma dimensão realmente grande do que tá por vir porque, se não, eu acho que a gente não vai suportar.

 

"A ideia da música é justamente essa, que a mulher ou a pessoa em si se identifique como sendo a própria releitura de uma obra de arte contemporânea, ou que a pessoa idealiza em outra no seu sentimento"

 

O Fato - E Monalisa, então, é uma produção independente entre esses dois EPs. É isso?

Nissão – Monalisa entra no segundo EP. É a última faixa do segundo EP e foi escolhida como uma faixa de trabalho desse EP. É uma produção independente, em parceria com a Som Star, produtora lá de São Paulo, foi a produtora que viu meu trabalho através do Instagram se interessou. A gente foi até São Paulo, a gente sentou, conversou, eles fizeram uma proposta sobre a música, sobre investir na música, conseguir investidores para levantar o meu trabalho, no caso a gente, para poder fazer toda essa construção como artista. É o som que eu tenho que é considerado o mais pop assim dentro do hip-hop. Acho que casa muito em qualquer situação do dia-a-dia em qualquer vertente. Pode ser até em outras vertentes que não seja um hip-hop. A Monalisa se identifica muito, porque querendo ou não, a referência artística em si da Monalisa é universal. Então, acho que, independente da releitura, ela pode se encaixar em qualquer pessoa, qualquer visão. A ideia da música é justamente essa, que a mulher ou a pessoa em si se identifique como sendo a própria releitura de uma obra de arte contemporânea, ou que a pessoa idealiza em outra no seu sentimento, que foi que aconteceu comigo, que eu vi em outra pessoa a figura da Monalisa. Para mim, uma obra de arte do século XXI seria um renascimento.

 

O Fato - E como é que isso?  Você me falou que é uma pessoa romântica. Monalisa está aí pra mostrar isso, mas a imagem que as pessoas têm do hip-hop é de uma música de protesto. Como casar essas duas vertentes. Cabe romantismo no hip-hop?

Nissão - Cabe! Cabe muito. Eu acho que o protesto, em si, construído em cima do hip-hop também é poesia, né? É uma forma de expressar em ritmo e poesia, que é o que significa o rap. E o amor também pode ser traduzido da mesma forma, em cima de ritmo e poesia. Então, eu acho que dentro da mesma vertente, a gente pode falar de qualquer assunto. A gente pode fazer uma crítica social, a gente pode fazer uma reflexão autoconstrutiva e a gente pode falar de amor também, de sexo, do que a gente quiser.

 

"Acredite no seu sonho, independentemente do tamanho dele e você não depende da aprovação de ninguém para fazer isso acontecer"

 

O Fato – Você falou que tem um filho de 9 anos. O que que você falaria pra uma criança de Patrocínio Paulista hoje que vive uma realidade que você viveu e que quer ir pra frente, que quer sair desse universo que ele tem lá?

Nissão - Eu diria o seguinte: acredite no seu sonho, independente da aprovação de qualquer pessoa. Infelizmente, ou felizmente - claro que depende do ponto de vista -, mas o meio que a gente vive, por ser uma cidade pequena, com poucas oportunidades, com uma perspectiva de futuro pequena, às vezes a gente, por cultura mesmo, acaba minando os sonhos das crianças, dos jovens, por parecer grande demais, intocável intangível. Mas a realidade é outra. A gente só está em um lugar que é um pouco mais isolado, um pouco mais afastado. Mas o tamanho do sonho ou a intensidade da sua luta, o tamanho do seu desejo, a vontade de fazer acontecer, ela não pode depender do espaço onde você está. Às vezes, realmente você não está cabendo onde você está e precisa sair daí. Vou fazer a analogia que eu acho muito clichê, mas é muito válida, o da borboleta no casulo. Para mim, Patrocínio foi um casulo. Quando não me coube mais ali, eu tive que sair pra poder abrir as asas, senão eu não conseguiria voar. Então, não que seja um problema ou que seja um fator limitante, mas, infelizmente, a gente tem poucas oportunidades. Mas a mensagem que eu deixaria é essa: acredite no seu sonho, independentemente do tamanho dele e você não depende da aprovação de ninguém para fazer isso acontecer.

 

O Fato -Você está lançando um álbum agora? Quais são seus planos para o futuro?

Nissão - A perspectiva pro futuro agora é fazer o lançamento do álbum, divulgar bastante, fazer chegar até as pessoas. Fazer com que a mensagem seja ouvida. É esse meu principal objetivo. Posterior a isso eu vou focar nos shows, nas apresentações, nas participações em eventos, festivais, pra poder estar levando isso para o público de forma mais íntima, né? De forma mais próxima, mais intensa, que é a mensagem que tá escrita ali na música. Então, perspectiva para o futuro, agora em 2025, seria focar nos shows, nas apresentações e nas participações, também. Não pretendo lançar nenhum trabalho pra 2025. Pretendo trabalhar o que está saindo agora e fechar parcerias em singles com novos artistas, até pra gente conseguir ir somando. O hip-hop é união, então, quanto mais a gente se unir, maior é a chance da gente se engrandecer juntos. Acho que ninguém faz nada sozinho, então não é feio pedir ajuda e não é feio estender a mão pra ninguém. Se eu puder levantar quem tá começando, eu vou levantar e se eu puder segurar a mão de alguém que está lá em cima, pra me ajudar a subir, eu vou correr atrás disso também.

 

O Fato - E a ideia é bater asas pra mais longe?

Nissão - Sim, pra isso eu não vejo limites. A internet está aí pra gente se globalizar. Eu acho que o futuro é inevitável e não existe mais fronteira pra lugar nenhum. Então, se for pra rodar o Brasil inteiro, se for pra sair daqui, eu estou indo. Não me limito a pensar pequeno não.

 

 

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