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A Lei do Cachorro Quente

22/01/2025 18h33 Atualizada há 2 semanas
Por: Redação
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Uma frase atribuída a Otto von Bismarck adverte que os cidadãos não dormiriam tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis. Não se sabe se o estadista e diplomata prussiano e alemão realmente proferiu essas palavras. Mas elas ecoam com frequência pelos corredores do Congresso Nacional, em Brasília, principalmente entre as pessoas que acompanham de perto o processo legislativo brasileiro.

Bismarck viveu no século 19, foi um dos grandes responsáveis pela unificação alemã e ficou conhecido como o Chanceler de Ferro. Ao longo de três décadas esteve em altos postos de poder e construiu uma história de grandes conquistas políticas. Era conservador e anticatólico, mas aproximou-se de liberais e de alguns setores do catolicismo ao perceber que essa estratégia seria útil para apaziguar as populações dos principados e cidades livres na formação do Império Alemão.

No balaio da política tem de tudo, seja no Brasil, seja em qualquer parte do mundo. Existem os bem-intencionados, mas não faltam incompetentes, gananciosos e malfeitores. Seria muito difícil apontar um exemplo de sistema que funcione sem imperfeições.

No meio político vale quase tudo para se obter um naco de poder ou participar de um esquema que proporcione alguma vantagem financeira.

Para alguns, esse é um dos custos da democracia. Mas há quem compreenda que é o resultado da falta de formação e de participação política da nossa sociedade.

No sistema vigente no Brasil, vereadores, senadores, deputados estaduais e federais são eleitos para duas funções principais. A primeira é fazer leis que ajudem a regular o bom funcionamento das cidades, dos estados e do país. A segunda é fiscalizar as ações dos prefeitos, governadores, do presidente e dos seus auxiliares diretos.

Isso é o que está no papel. A prática real, como se sabe, é outra.

Acompanhando atentamente a confecção das leis que saem das casas legislativas, é impossível não se deparar com disparates. Quase sempre há um novelo todo embaraçado colocado propositalmente no meio do processo. O texto inicial de um projeto de lei raramente vai chegar sem nenhuma alteração ao Diário Oficial, onde as leis precisam ser publicadas para terem valor.

Quando a redação final de uma lei é resultante de um debate aprofundado e aberto a todos, a inovação legislativa é bem aceita e produz bons efeitos. Afinal, as leis servem para regular as relações e a convivência social. Mas isso tem sido a exceção. De modo forçado, aprendemos a conviver com as leis “que não pegam”, aquelas que ninguém segue. Ou, ainda, aquelas que ficam famosas pelo absurdo que são.

               Quem se lembra da obrigatoriedade de kits de primeiros socorros dentro dos carros, regra que chegou a vigorar por um período na década de 1990? Antes de entrar na discussão sobre os benefícios dessa exigência na assistência rápida a pessoas acidentadas, é preciso compreender que esse capítulo anedótico da nossa história foi resultado de uma das brechas deixadas de propósito no Código de Trânsito Brasileiro, uma lei indispensável e com muitos pontos positivos. A celeuma durou pouco tempo, a exigência acabou sendo derrubada pelo Congresso Nacional, mas valeu por tempo suficiente para uns e outros faturarem alguns milhões comercializando os tais kits.

Os fios emaranhados no meio do caminho cumprem o objetivo de desviar a atenção dos cidadãos dos verdadeiros meios usados para se chegar ao texto de uma lei. Enquanto os incautos tentam achar a ponta do novelo e desfazer o nó, os maliciosos estão calculando, no escurinho, os ingredientes que vão adicionar no caldeirão para obter algum ganho exclusivo e manter as travas que vão fazer com que a correção de um erro seja possível somente quando já for tarde demais.

Na fabricação de salsichas, isso pode ser chamado de tripolifosfato de sódio ou pirofosfato dissódico (alguém tem isso no armário da cozinha?). Na fabricação das leis, os palavrões que melhor definem o processo são impublicáveis.

Há outra diferença que merece ser destacada. Uma pessoa consegue passar a vida toda sem comer cachorro-quente, caso se recuse a ingerir algo que não saiba do que é feito. Contudo, ninguém consegue ser um cidadão pleno, exercer os seus direitos e deveres sem se submeter às leis.

***

No início de fevereiro serão escolhidos novos presidentes para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal. Vai se dar bem quem apostar em mais do mesmo. É o que se pode esperar dos nossos legítimos representantes.

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Alfredo Couto Rosa Lopes – patrocinense, jornalista, servidor público. Foi repórter e editor da Voz do Brasil, da Rádio Nacional e da Rádio Câmara em Brasília. Consultor legislativo da Câmara dos Deputados desde 2007.
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